A Casa de Agra era uma das várias propriedades da opulenta família Martins, das Casas de Minotes e Aldão. Nesta residência vivia D. Joana Luísa de Araújo Martins da Costa, da Casa de Minotes, viúva do Capitão Jerónimo Ribeiro Bernardes. Antes de os seus filhos mandarem construir uma nova casa no Largo de S. Bento, por volta de 1927, projetada pelo pintor Roquemont, foi nesta casa que a família permaneceu. A nova residência, onde mais tarde funcionaram os Correios, foi demolida na década de 1960 para dar lugar ao atual edifício dos CTT.
A Casa da Rua de Santa Luzia foi herdada por uma das filhas do casal, D. Ana Emília de Araújo Martins da Costa (1805-1882), que contraiu matrimónio com o seu parente Francisco Ribeiro José de Abreu, senhor da Casa de Agra em S. Torcato. Esta propriedade permaneceu na descendência da família, conhecida como os Agras de S. Torcato, e continua a ser um legado importante.
Foi nesta casa que nasceu Luís Ribeiro Martins da Costa, pai de Vasco Burmester Martins da Costa, já falecido. Este deixou dois filhos, perpetuando assim a ligação da família à Casa de Agra.
A Casa de Agra é, portanto, uma referência incontornável da vida pública vimaranense. Localizada na freguesia de S. Paio, trata-se de um edifício de dois andares com águas-furtadas, ocupando uma área coberta de 482 m² e dispondo de um logradouro de 590 m², totalizando uma área de 1.072 m².
Há 20 anos (em 1976), o Círculo de Arte e Recreio (CAR) tomou a Casa de Agra de aluguer, com o objetivo de instalar a sua sede social de forma digna e condizente com as suas aspirações.
Mesmo nessa altura, o imóvel já necessitava de obras de beneficiação, que, ao longo dos anos, foram sendo realizadas. Estas obras focaram-se essencialmente na manutenção imperativa e na valorização do edifício, garantindo as condições mínimas de habitabilidade, ainda que sempre precárias. O esforço constante foi canalizado para a conservação de elementos originais, como os tetos em gesso ou “masseira”, a recuperação de paredes em tabique e a preservação dos soalhos em madeira, mantendo a autenticidade do edifício.
Este contínuo trabalho de recuperação representou, ao longo do tempo, um encargo significativo para as atividades e a dinâmica cultural promovidas pela associação. Apesar disso, o CAR permaneceu empenhado na preservação deste património, transformando a Casa de Agra num espaço cultural de relevo para a cidade.
Desde 2024 a Casa de Agra passou a ser propriedade do Círculo de Arte e Recreio.
Guimarães é uma cidade com um rico espólio patrimonial construído, de reconhecida qualidade cultural.
São inúmeros os edifícios, recantos e valores aos quais é reconhecida uma vontade pública de preservação, frequentemente concretizada quer através de atitudes de defesa por parte da comunidade, quer em deliberações municipais ajustadas às necessidades.
Atualmente, o trabalho de restauro e recuperação do núcleo da cidade intramuros é amplamente reconhecido pelo seu prestígio, e a sua qualidade tem sido impulsionada para concorrer ao título de Património Mundial.
No entanto, ainda existem outras zonas da cidade que merecem uma intenção claramente definida e orientada para a sua defesa e preservação. Entre estas encontra-se a zona de Santa Luzia.
Situada na antiga estrada medieval Guimarães-Braga, a Casa de Agra integra-se num antigo conjunto arquitetónico urbano dos séculos XVIII e XIX, de considerável valor, com tradições etno-culturais que se destacam:
As residências de ilustres vimaranenses ao longo das diferentes épocas, como o Visconde de Santa Luzia, o republicano Ribeiro de Freitas e o médico humanista Mário Dias, entre outros;
A Capela de Santa Luzia, situada em frente à Casa de Agra, onde se realiza uma romaria original no mês de dezembro, em louvor da protetora dos cegos e madrinha das brincadeiras namoradeiras de jovens: “a romaria dos sardões e das passarinhas”;
A Capela do Picoto, situada no alto do escadório do Picoto, dedicada ao Senhor dos Aflitos, originalmente pertencente à Casa de Agra. No início do século XX, passou à guarda dos ainda residentes na Viela do Picoto. No século XVIII, os devotos realizavam, na altura dos Santos, uma romagem com ladainhas;
A Queima do Judas, uma representação popular organizada pelo Círculo de Arte e Recreio no Largo de Santa Luzia. Este é um exemplo, entre outros, de iniciativas culturais promovidas por instituições e associações, com o objetivo de dinamizar turisticamente e culturalmente os espaços urbanos da cidade;
Diversas instituições foram, ao longo do tempo, instalando-se nesta rua, como a Delegação Escolar, a Associação de Professores do Ensino Básico, a Associação dos Antigos Alunos, a Escola de Ensino Artístico Árvore, o Sindicato dos Químicos, o Núcleo 25 do CNE, a Igreja dos Redentoristas, o Centro de Recolhimento de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e, ainda, o Círculo de Arte e Recreio.
O proprietário da Casa de Agra, sita na Rua de Santa Luzia, era Francisco Ribeiro Martins da Costa, geralmente conhecido por Francisco Agra.
João Franco, seu correligionário político, refere-se a ele nos seguintes termos:
“Chefe de política local, as suas grandes demandas, as suas grandes batalhas, pelejou-as sempre em nome da terra que lhe fora berço (…). As nossas primeiras relações recordam o tempo em que alcançava, de Fontes Pereira de Melo, a colocação de um regimento e a organização de uma escola industrial na cidade de Guimarães. Depois, e sucessivamente, vieram a questão da autonomia municipal, o restabelecimento da Colegiada, a sua transformação em liceu, a construção das avenidas (…).”
A Casa de Agra era um local de passagem obrigatória para os influentes políticos locais, regionais e nacionais. Nela chegou a pernoitar o Presidente Marechal Carmona, aquando da sua visita a Guimarães.
Francisco Agra nasceu a 3 de julho de 1835 (dois anos mais novo que Martins Sarmento e, portanto, seu contemporâneo e amigo). Matriculou-se em 1852 no 1.º ano de Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra, mas foi impedido de prosseguir os estudos por motivos de saúde
Tornou-se amplamente conhecido ao fundar o Banco de Guimarães, em 1872, uma instituição de crédito de excecional relevância em todo o Norte.
Mais uma vez, transcrevemos João Franco:
“Entrei em 1884, pela primeira vez, na Câmara dos Deputados com o apoio de Francisco Agra sob a égide poderosa, e para os regeneradores de então quase augusta, de Fontes Pereira de Melo.”
Este breve esboço do homem revela a sua residência, condizente com o estatuto de capitalista, monárquico e, sobretudo, político influente. O seu assassinato, a 26 de junho de 1901, gerou grande repercussão nos jornais da época e está relatado na coleção de Sousa Costa, “Grandes Dramas Judiciais”. Este famoso caso judicial trouxe a Guimarães Afonso Costa, que viria a ser o futuro Presidente da República.
Francisco Martins da Costa, político e cidadão vimaranense de grande integridade e princípios, merece ficar na memória dos seus concidadãos, sobretudo pelo seu contributo à cidade. Destaca-se a instalação, na sua principal residência em Santa Luzia, da Casa de Agra, como sede de uma instituição cultural de prestígio, com tradições de intervenção cívica e cidadania, no coração do burgo.